segunda-feira, 23 de março de 2009

Duvidar




“ – Sabe o que me atraiu em si, em El Toboso, padre? Não foi por ser o único homem culto que lá existe. Não me venha falar de intelectuais ou de cultura. O que me atraiu em si foi eu pensar que era o meu oposto. Um homem cansa-se de si mesmo, do rosto que vê todos os dias ao barbear-se, e todos os meus amigos se situavam nos mesmos moldes que eu. Fui a reuniões do Partido em Ciudad Real, depois da morte de Franco, e o tratamento era de ‘camaradas’ e tínhamos medo uns dos outros porque nos conhecíamos como a nós próprios. Citávamos Marx e Lenine uns aos outros como senhas, para provar que podíamos merecer confiança, e nunca falávamos das dúvidas que nos assolavam o espírito nas noites em claro. Senti-me atraído para o senhor porque pensei que era um homem sem dúvidas. Senti-me atraído para o senhor, creio, de certo modo por inveja.
- Como estava enganado, Sancho. As dúvidas não me largam. Não tenho a certeza de nada, nem sequer da existência de Deus, mas duvidar não é trair, como vocês, comunistas parecem pensar. Duvidar é humano. Oh, eu quero acreditar que tudo é verdade, e esse querer é a única coisa certa que eu sinto. Também quero que os outros acreditem. Talvez um pouco da sua crença possa passar para mim. Acho que o padeiro crê.”

in "Monsenhor Quixote", Graham Greene

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